Em um acidente de carro quase
certo, não permanecemos em estado de medo depois que desviamos do outro carro.
Compreendemos muito rapidamente que o perigo já passou e esperamos que a
respiração e os batimentos cardíacos voltem ao normal, o que acontece depois de
mais ou menos dez segundos. No entanto, suponha que o medo seja de algo que não
possa ser anulado de modo instantâneo ou drástico. Suponhamos que a pessoa
tenha medo de que a dor que sente nas costas seja sintoma de um câncer de
fígado.
No período refratário, ela vai
rejeitar a informação contraditória, esquecendo que no dia anterior ajudou seu
amigo a mudar os móveis de lugar e que esse é o real motivo da dor.
Considere uma situação familiar
comum: de manhã, antes de o casal sair para o trabalho, Jim diz para Helen, sua
mulher, que sente muito, mas ele não poderá pegar a filha na escola. Helen terá
de fazer isso, ele complementa. Com rispidez e uma expressão de raiva no rosto,
Helen responde: "Por que você não me avisou antes? Tenho uma reunião nessa
hora!". Helen não pensou conscientemente na resposta; ela não escolheu
ficar irritada. Simplesmente aconteceu, pois os autoavaliadores interpretaram a
mensagem de seu marido como uma interferência em seus objetivos (um provável
tema associado à raiva) sem levá-la em consideração.
Sentindo, pelo tom de voz e pela
expressão facial, que Helen está irritada, Jim desafia o direito dela de se
sentir assim. Nesse momento, ele também se irrita, pois, muitas vezes, a raiva
gera raiva. "Por que você está se enfezando? Não avisei antes porque meu
chefe acabou de me ligar e me disse que há uma reunião de emergência em meu
departamento e tenho de participar." Nesse instante, Helen percebe que Jim
não foi desatencioso e que não há motivo para ela ficar furiosa com essa
frustração inevitável e involuntária. No entanto, se ela ainda estiver em um
período refratário, será uma luta. O aborrecimento dela precisa ser
justificado. Ela pode ficar tentada a querer ter a última palavra.
"Você devia ter me falado
isso assim Se Helen for capaz de incorporar a nova informação dada por Jim, mudará
sua percepção do motivo pelo qual ele fez o que fez. Assim, ela pode descartar
a interpretação de que ele foi desatencioso, e seu aborrecimento desaparecerá.
Contudo, há diversos motivos pelos quais um período refratário pode ser longo,
mantendo Helen irritada até Jim dar a informação que poderia reverter a
situação. Talvez ela não tivesse dormido bem na noite anterior. Talvez ela
esteja sendo muito pressionada no trabalho e tenha dificuldades de lidar com
isso, descarregando, assim, suas frustrações sobre Jim. Talvez eles estejam
discutindo há muitos meses a respeito de um assunto sério, como ter outro
filho, e Helen guardou sentimentos de raiva a respeito da atitude aparentemente
egoísta de Jim. Helen pode ter o tipo de personalidade em que a raiva desempenha
um papel dominante (no Capítulo 6, descrevo minha pesquisa a respeito de
pessoas que possuem um traço de personalidade hostil). Ou, ainda, Helen pode
estar trazendo para essa situação um roteiro de outro setor de sua vida, um
roteiro muito carregado emocionalmente.
Retirado do livro, A Linguagem das Emocões - Paul Ekman
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